26 de set. de 2011

Corpo de Mulher





Corpo de mulher,
brancas colinas,
coxas brancas,
assemelhas-te ao mundo no teu jeito de entrega.
O meu corpo de lavrador selvagem escava em ti
e faz saltar o filho do mais fundo da terra.
Fui só como um túnel.
De mim fugiam os pássaros,
e em mim a noite forçava a sua invasão poderosa.
Para sobreviver forjei-te como uma arma,
como uma flecha no meu arco,
como uma pedra na minha funda.
Mas desce a hora da vingança,
e eu amo-te.
Corpo de pele, de musgo,
de leite ávido e firme.
Ah, os copos do peito!
Ah, os olhos de ausência!
Ah, as rosas do púbis!
Ah, a tua voz lenta e triste!
Corpo de mulher minha, persistirei na tua graça.
Minha sede,
minha ânsia sem limite,
meu caminho indeciso!
Escuros regos onde a sede eterna continua,
e a fadiga continua,
e a dor infinita.


Pablo Neruda


©


24 de set. de 2011

Afinidade





A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos.

O mais independente. 

Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,
as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro retoma a relação,
o diálogo, a conversa, o afeto, no exato ponto em que foi interrompido.
Afinidade é não haver tempo mediando a vida.


É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo sobre o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro.


Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois
que as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples
e claro diante de alguém com quem você tem afinidade.


Afinidade é ficar longe pensando parecido a respeito dos mesmos
fatos que impressionam, comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavra.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.


Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra, nem sentir para, nem sentir por, nem sentir pelo.
Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.


Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar.
Ou quando é falar, jamais explicar, apenas afirmar.


Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.


Só entra em relação rica e saudável com o outro,
quem aceita para poder questionar.
Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar,
não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é.
E, aceitando-o, aí sim, pode questionar, até duramente, se for o caso.
Isso é afinidade.
Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceita
o outro como ele é. Por isso, aliás, questiona.
Questionamento de afins, eis a (in)fluência.
Questionamento de não afins, eis a guerra.


A afinidade não precisa do amor. Pode existir com ou sem ele.
Independente dele. A quilômetros de distância.
Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar.
Há afinidade por pessoas a quem apenas vemos passar,
por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos.
Há afinidade com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos,
veremos ou falaremos.


Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem
para buscar sintomas com pessoas distantes,
com amigos a quem não vemos, com amores latentes,
com irmãos do não vivido?


A afinidade é singular, discreta e independente,
porque não precisa do tempo para existir.
Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu
o vínculo da afinidade!
No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação
exatamente do ponto em que parou.
Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidas
nem pelas pessoas que as tem.


Por prescindir do tempo e ser a ele superior,
a afinidade vence a morte, porque cada um de nós traz afinidades
ancestrais com a experiência da espécie no inconsciente.
Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós,
para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes.

Sensível é a afinidade.
É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido.
Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau,
porque o que define a afinidade é a sua existência também depois.


Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois
encontra com saudade ou alegria, mas percebe que não vai conseguir
restituir o clima afetivo de antes,
é alguém com quem a afinidade foi temporária.
E afinidade real não é temporária. É supratemporal.
Nada mais doloroso que contemplar afinidade morta,
ou a ilusão de que as vivências daquela época eram afinidade.
A pessoa mudou, transformou-se por outros meios.
A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas,
plantios de resultado diverso.


Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças,
é conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas,
quantos das impossibilidades vividas.


Afinidade é retomar a relação do ponto em que parou,
sem lamentar o tempo da separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida,
para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais,
a expressão do outro sob a forma ampliada e
refletida do eu individual aprimorado.


Arthur da Távola

©


23 de set. de 2011

RadioHead - Sensual Kiss

Com Chocolate





Os corpos com sabor de chocolate
na tarde dos segredos desvendados,
brindavam ao açúcar e ao combate
do amor sobre os lençóis amarrotados.

Palavras de silêncios, no resgate
dos beijos esquecidos nos estrados,
que o tempo despertou para o abate
das rimas solitárias... Sóis passados. 

Poética da luz dos novos ventos,
encaixes na perfeita paz do gozo
e os sonhos mergulhados no cremoso

Aroma da canção dos sentimentos.
Hoje, o verso repete em pensamento:
o amor com chocolate é mais gostoso!


Nathan de Castro


©


A camisola negra





Negra,
sobre a pele se faz transparecer.
Negra,
camisola que a mim te mostra.

Pele na pele.
e o desejo posto a nascer.
Deitada à espera, pronta, exposta.

Tecido que cede
O que, então, era amostra,
Agora é entrega!

Início de refrega,
Em luta de amor,
Corpos se doam.

Sensações indomadas!
Reações animais!
Dois seres naturais!
Grunhidos, gemidos!
Eriçados pêlos!

Línguas e dedos.
Tatos e fatos.
Sabores e olfatos.
Gula, ...tesão!

Negra,
a negra pele se perde.
Jogados ao chão...
Nus... corpos nus...
Rolam!
Fome, desejo, paixão!

Carnes quentes,
Desejos ardentes,
Febre fervente,
Louca penetração!

Vira e revira,
Assume nova visão.
Incontida, a carne delira.
Úmida, molhada,
pronta em união.

Entrega, doma, deleita.
Novamente um corpo se deita.
Chama, lambe, toca e afaga,
Faz-se, da noite de amor, a maga.

Deitada no chão à espreita
A transparente negra pele.
Descansa enfim o fervor.
Da sonhada noite de amor!


Marcos Woyames de Albuquerque

©


Vá... se puder!





Vem!
Sopra minha boca,
Dê-me seu ar.
Roçe minha pele,
traçe o caminho,
sinta o eriçar dos sentidos.
Mantenha seus olhos submersos nos meus.
Aspire minha alma e ouça,
o entrecortar da minha respiração.
Prova meu sabor de desejo.
Dissolva-se no universo do meu corpo.
E...
Quando saciado,
Vá...
Se puder!



Glória Salles

©


22 de set. de 2011

Banho





Escorre em mim feito calda,
que é pra lavar minh'alma.

Desliza doce em cada curva,
que eu já tô ficando turva.

Os olhos estão cerrados,
os lábios trancafiados.

Arrepia meus pêlos,
da raiz aos cabelos.

Te atreve!
Me ferve!

Lubrifica meu instinto,
que é selvagem, admito!

Adentra em minhas frestas,
desvenda as minhas arestas.

Escorre pelos meus meios,
ouriça os meus róseos seios.

Deságua em mim feito cascata,
de tanto tesão, me mata!

Mistura teu líquido ao meu,
do teu vapor eu faço breu.

Joga teu jato forte e quente,
serpenteia o pecado iminente.

Escorre em mim tua liquidez.
Me dá um banho de insensatez!


Milene Sarquissiano

©


9 e ½ Semanas de Amor - Cena do Beco Escuro

9 e ½ Semanas de Amor, 1986, que considero um dos filmes mais sensuais até hoje.
Este trecho do filme, a cena do beco escuro, deu origem ao nome do Blog.
Espero que passe pelo Beco Escuro novamente. ;)